segunda-feira, 27 de agosto de 2012


BRASILEIRO POR OPÇÃO-XIV

               José Augusto de Castro e Costa

 

Há poucos dias à frente  dos destinos do Estado Independente do Acre, o Coronel Antonio de Sousa Braga, demonstrara hesitação em permanecer no propósito a que se dispusera, em razões de interesses comerciais, incentivado que fora por comandantes de navios e outros seringalistas.

A fraqueza e indecisão  do Coronel Souza Braga acentuara quando tomara conhecimento de que um grupo de bolivianos, chefiados por Ladislau Ibarra, estaria viajando para  Puerto Alonso, acompanhado de uma força naval brasileira, com a disposição de reivindicar  o Governo da Bolívia.

A comissão de bolivianos comandada por Ladislau Ibarra  chegara a Puerto Alonso e encontrara uma cidade fantasma, uma vez que toda a sua administração  encontrava-se no Alto Acre. Subindo o rio até Humaitá Dom Ladislau Ibarra resolve decretar estado de sítio  suspendendo todas as garantias constitucionais em toda a região e nomeia-se administrador da alfândega de Puerto Alonso e encarregado da Delegacia Nacional boliviana.

Desacompanhados da força naval brasileira que ficara em Manaus, porém resolvidos a empregar a força, os bolivianos, ao encontrar o navio em que estava o Coronel Sousa Braga, promoveram grande fuzilaria que foi respondida pelos brasileiros, até surgir, quinze minutos depois, uma bandeira branca, denunciando a capitulação dos comandados por Dom Ladislau Ibarra. Registra-se, por assim dizer, o primeiro confronto armado entre brasileiros e bolivianos.

Pressentindo maiores e mais graves embaraços o Coronel Sousa Braga avaliara, por bem, devolver o governo do Acre a Dom Luiz Galvez, fato que deveria ocorrer através de sua renúncia “por motivo de saúde e negócios particulares”, a 30 de janeiro de 1900, um mês após a deposição do espanhol.

Dom Galvez  retornara com a mesma disposição, reorganizara seu gabinete, expedira ordens e rapidamente seu Governo realcançara sua força vital. Entre as primeiras providências constaria enviar um representante do Estado do Acre para, junto ao Presidente  Campos Sales, expor os motivos que os acreanos alegavam  em defesa de sua atitude revolucionária, perante a Bolívia, inclusive dando ciência  acerca dos últimos acontecimentos desenrolados naquela região da Amazônia.

As manifestações em Manaus, no entanto, prosseguiam sempre tomando elevadas  proporções e graduando a subida da temperatura emocional, não apenas dos ativistas como dos observadores.

Com efeito, o Presidente da República recomendara ao Governador do Amazonas providenciar uma reunião entre todas as autoridades executivas, legislativas e judiciárias locais, com o fim de acertar medidas destinadas a reprimir o movimento separatista do Acre, deixando livre o  território para o domínio da Bolívia. Todas as medidas deveriam ser tomadas sem o menor derramamento de sangue.

Com a concordância de todos os participantes, ficara estabelecido  que a operação seria levada a efeito  através de uma  flotilha, constituída de três pequenas lanchas militares mais o vapor “Belém”, fretado pelo Governo do Amazonas,  partindo para o Acre, em missão pacificadora, levando  112 militares, entre soldados e oficias. A ordem permaneceria  não empregar armas contra os brasileiros que lutavam pela incorporação do Acre ao território nacional. Assim prontificara-se a fazer-se, conforme o plano do Governo Federal.

Segundo registros do governador Ramalho Júnior e do Tenente Burlamaqui, da Marinha brasileira, os expedicionários  seguiram para Puerto Alonso, ali chegando na mais perfeita tranquilidade, sendo o oficial  imediatamente recebido pelo Presidente Galvez, para transmitir-lhe o objetivo de sua missão.

Segundo versões  do próprio militar, Dom Luiz Galvez ouvira silenciosamente as palavras do comandante da operação para, em seguida, diplomaticamente, expor os motivos da sua revolução, argumentar o que já houvera manifestado e proclamado, salientar sua obediência à intimação  do Presidente da República e, finalmente, perguntar sobre quais as garantias que o governo ofereceria ao grande número de brasileiros envolvidos naquela insurreição, da qual considerava-se o único responsável. Ali deixara prédios, materiais, mercadorias, armas e munições, frutos do esforço de cada acreano, muitos inclusive de nascimento. Lembrara Dom Galvez que os habitantes da região acreana almejavam ser brasileiros e o Brasil  não deveria ignorá-los, obrigando-os a reconhecerem outra pátria, outros costumes, outra língua, outra honra.

Em seguida retirara-se para dar ciência dos fatos a seu secretariado e demais colaboradores  e pedir a manifestação particular a respeito de sua deposição, tendo todos aprovado sua atitude.

Estabelecidas as bases de sua rendição em face da concordância das argumentações apresentadas aos militares brasileiros, Dom Luiz Galvez  elaborara  uma carta ao Tenente Armando Burlamaqui,  na qual, considerando os intuitos do Governo Federal  em respeitar o acordo com a Bolívia,  resolve depor suas armas e entregá-las ao Comandante da Flotilha do Amazonas e Chefe das Forças Brasileiras em Expedição.

Há controvérsias sobre a rendição do espanhol, segundo suas memórias.

Dom Galvez, deposto e prisioneiro sob palavra, passara  a observar, calmamente o desenrolar dos acontecimentos, enquanto aguardava o dia da partida. A um repórter do jornal “A Província do Pará” que encontrava-se presente, como passageiro  do vapor “Belém”, fora  fazendo suas confidências... diversa  das que faria 45 anos depois.

O repórter do jornal paraense constatara que a administração de Galvez apresentara  proveito para Puerto Alonso, transformada que fora em bela e asseada, com casas bem construídas. Por extensão o referido jornalista considerara que o contingente armado, sob as ordens de Galvez, importaria em 800  unidades, munidos de fuzis, rifles e espingardas. Destacara, ainda, que Puerto Alonso  possuíra um estoque de gêneros alimentícios satisfatório para o consumo  durante dois meses, além de uma farmácia bem abastecida.

Já o Tenente Armando Burlamaqui, em suas recordações, registra, textualmente, que “é desolador o momento, e o quadro se grava indelével em nosso espírito, como que se sempre estivesse em frente de nossa vista uma palheta viva da cena”.

A deposição de Dom Luiz Galvez ainda guarda pontos controvertidos, que jamais serão devidamente esclarecidos.

Sabe-se que, afinal, demonstrando uma vez mais seu apreço pelo espanhol, o governador Ramalho Junior proporcionou-lhe meios pecuniários, de maneira que pudesse regressar à sua pátria natal.

De volta a Cadiz, aos 86 anos de idade, 45 outonos depois, o velho aventureiro decidira  escrever suas memórias, certamente  recheadas de exageradas  utopias e algumas tolices, tais como foram  seus primeiros quarenta anos de existência.

Antes, porém, ao agradecer ao governador Ramalho Junior, em carta procedente de Recife, Dom  Luiz Galvez despedira-se, satisfeito por entregar a região acreana  ao Brasil, seu país por adoção, e, textualmente, “levando no coração felizes recordações e tranquilidade por jamais entregar o Acre à nossa natural inimiga, a República da Bolívia”.

 

 

 

 

 

 

segunda-feira, 20 de agosto de 2012


BRASILEIRO POR OPÇÃO-XIII

                             José Augusto de Castro e Costa

Era intuito de Galvez integrar-se à sociedade acreana, revestir-se do pensamento do povo brasileiro e irmanar-se na conquista de um bem aspirado. Tanto que  refere-se ao direito fundado na posse de toda a região consagrada pelo trabalho e pelo sangue generoso do irmão seringueiro, para, ao final, arrematar:”Não aceitamos a bruta desnacionalização. A  pátria abandona-nos. Nós crriamos outra. Entre o Brasil e a Bolívia os brasileiros não podem vacilar e já que não podem ser brasileiros, resolveram não ser bolivianos”.

Teria sido esta a primeira opção daqueles heroicos brasileiros, em clara demonstração de que estariam  expulsando a quem lho tomara um bem, e não tomando um bem de quem lho expulsara.

Há entretanto, relatos de que, no início, a conduta extravagante de Dom Luiz Galvez viria despertar o espírito dissidente, de alguns seringalistas e, justamente,  de uma das revolucionárias mais ativistas, que o influenciariam e o estimulariam a levar a efeito ao então empenho utópico.

A ex-freira Joana, que após deixar os  votos religiosos  passou a dedicar-se  ao magistério, no sentido de expandir  o conhecimento da cultura brasileira, a partir do interior amazônico, onde ela esperava tornar-se mais útil, decepcionou-se  ante  o modo   como aquele espalhafato demagógico, com comemorações intermináveis, regadas a muita bebida alcoólica, muitos doces e muitos leitões, revelava-lhe uma ideia fantasiosa da base que se instalava naquele Império.

Ausente às volúpias do Império,  Joana passara  a dedicar-se em organizar escolas e criar centros recreativos ao longo Acre, inteirando-se dos problemas e buscando as devidas soluções, o que viria a conquistar a simpatia e confiança da população.

Contudo, ainda em meio às comemorações excessivas, refletidas  pelos corpos  empilhados  uns sobre os outros, abatidos pelas desenfreadas bebedeiras, ia-se compondo a administração do Império com a criação de Ministérios, sendo alguns ocupados por ilustres desconhecidos  possuidores de alguma formação, porém sem condições para a devida estruturação.  Em meio  à contagiante empolgação, o poeta Taumaturgo Vaez,  viu-se inspirado  para escrever um grande poema sobre a conquista e fundação do Império do Acre, onde destaca-se a estrofe:

“ Venho mesmo não sei de que Degredo

Improvisando altares no caminho,

A rezar, de olhos fitos no arvoredo,

Missas negras sem hóstias e sem vinho”.

Ao avistar um grupo de francesas banhar-se num igarapé, registraria o poeta em seu caderno de notas: “ e ali estavam num feminino alarido de náiades em luxuriante cenário de verduras e água cristalina”.

A orgia desenfreada adicionada ao desequilíbrio administrativo e social sinalizavam  o breve desmoronamento do Império acreano que aproximava-se vertiginosamente.

Consta que a  ex-freira  Joana, entre  suas  diligências, empenhara-se em transformar os  centros recreativos em organismos paramilitares. Para tal, requisitara, com certa frequência, armamentos com munições, com o pretexto de condicionar o pessoal  visitado  para o exercício da caça e defesa de predadores.

Ao retornar do Alto Acre Joana  daria  conhecimento ao  Imperador Dom Luiz Galvez de um possível  levante contra seu governo, organizado pelo seringalista Neutel Maia, aliado dos bolivianos.

A notícia, por certo, não abalara a postura imperial bizarra de Dom Galvez, insensível  ao pressentimento de que seu Império começava em entrar em crise,  que  prosseguia  com o absurdo surrealismo  de  concretizar projetos utópicos, sonhados por si e por seus ministros, agentes de mirabolantes  ideias irrealizáveis com a volúpia imaginativa do “ vira-vira-virou”!!!

Passados cinco meses  de governo, preparava-se Puerto Alonso para as comemorações  para  a chegada do Ano Novo de 1900. A preocupação  do Ministro da Cultura, François Blangis seria sanar algumas irregularidades acreanas,  tais como o racionamento de bebidas, pedindo  um imenso carregamento  de vinhos, champanhes, whiskie, aguardentes e, evidentemente, o xerez  exclusivo  do  Imperador.  A  programação para  o dia 31 de dezembro  constava de um grande desfile alegórico, que contaria  aos súditos seringueiros os principais momentos da história do mundo, quando carros e figurantes, artistas fantasiados, viveriam os tempos da Grécia, Roma, as maravilhas de Luiz XV, a Revolução Industrial, a Queda da Bastilha e, claro, o Grito do Ipiranga.

Uma semana antes, porém, na orgia comemorativa do Natal, alguns importantes seringalistas compareciam  ao barracão do Coronel Pedro Paixão, antes da ceia, para  uma reunião política, na qual o Tenente Burlamaqui  colocar-se-ia à disposição para por fim na desordem que campeava  Puerto Alonso, prometendo derrubar  o infausto  Império de Dom Luiz Galvez.

Uma semana depois  o Tenente Burlamaqui desembarcaria  com as tropas contra-revolucionárias e no caminho para o Palácio, que seria cercado, iria recolhendo os embriagados e desgarrados, que seriam amarrados e amontoados no trapiche.

Ao proceder ao cerco do Palácio, os contra-revolucionarios do Tenente deveriam ser rechaçados pelas tropas da ex-freira Joana que, armados, que tentariam  reagir, mas por pouquíssimo tempo, tendo em vista a elevada baixa que se prenunciara, incluindo Joana, que tombaria morta na escadaria do Palácio.

Em ambiente paralelo Dom Galvez procurara dirigir os destinos do seu governo, com a preocupação de lançar os determinados fundamentos de um poder aparentemente constituído, procurando corrigir o desarranjo  social envolto  em desajustada permissividade.

Esforçara-se  Dom Luiz Galvez, em certo altura, para levar a efeito o  projeto de  uma organização sócio-administrativa,  visando a instalação de indústrias, e ainda  buscando o emprego de capitais para o desenvolvimento das mesmas e proliferação do comércio, fornecer o abastecimento de serviços públicos como água, luz e até comunicação telefônica. O governo oferecia, inclusive, o privilégio de exploração econômica à empresa que construísse o cais do porto, composto de armazém e provido dos  demais  setores complementares, a exemplo de depósitos, rampas, docas e flutuantes.

Raríssimas vezes que sejam, os vícios de linguagem  adquirindo um tenaz poder,  pressagiam o emprego do pleonasmo, que cativam sua presença  em peculiar pensamento.  Pois a ideia oferecida pelo plano de governo de Dom Luiz Galvez Rodrigues de Aria, em Puerto Alonso, é de que seria reflexo, no mínimo, de uma utópica ilusão, ou objeto de  uma  alucinadora miragem. Até a natureza deveria tomar necessárias providências quanto ao devido alargamento das margens do rio Acre  e sua  múltipla profundidade, adaptando-o  para  o suporte dos grandes calados dos vapores.

De salientar que o governador do Amazonas estivera  a par de  tudo, comunicado que fora pelo próprio Dom Galvez, optando  pela omissão total, inclusive de cientificar aos poderes federais.

Porém, em meio a tremenda agitação política, a questão do Acre viera à tona, estampando na imprensa amazonense a manchete de que um aventureiro audacioso  estaria promovendo o desmembramento de uma parte do Brasil. A contenda entre governistas e oposicionistas tomara vulto, com insinuações e incriminações, relacionadas à separação de uma área da comunhão brasileira. Os acontecimentos se desenrolavam de maneira incendiária e distante de  qualquer previsão. Tudo porque o governo federal  insistia em concordância com a Bolívia, reconhecendo como boliviano o território ocupado pelos brasileiros, há muitos anos. Então pedia ao governador do Amazonas, Cel. Ramalho Júnior, explicações sobre o excêntrico Estado Independente, o qual não se furtara em elogiar a inteligência e a operacionalidade do espanhol, considerando  o Estado Independente do Acre uma organização  completa e sem falhas.

Com o descontentamento dos seringalistas  e  a maioria dos comandantes dos vapores, porém, já acumulando  consideráveis adesões,  a  turbulência  política do governo acreano  apresentara  sintomas  de irremediável  desestabilização e desmoronamento  o que, de fato, viria a concretizar-se  com a deposição, prisão e consequentemente o “banimento do Presidente  Luiz Galvez  Rodrigues de Arias do território nacional, por ser considerado  conveniente sua retirada  dos domínios do Estado Independente do Acre”.

Fizera-se, então, levantar o movimento para substituir a administração de Dom Galvez, cuja aclamação para Presidente do Estado Livre do Acre, caberia ao coronel Antonio de Sousa Braga, o qual ficaria no poder  somente por  trinta dias.


segunda-feira, 13 de agosto de 2012


BRASILEIRO POR OPÇÃO- XI

José Augusto de Castro e Costa



     As denúncias propagadas em folhetos, por José Carvalho e periódicos amazonenses, atreladas à prepotência, autoritarismo e desrespeito procedidos pelo Ministro José Paravicini  no rio Acre, teria repercussão desastrosa para a Bolívia, em Manaus, Belém  e no Rio de Janeiro -  Distrito Federal.

     A propagação referia-se ao decreto  expedido pelo  autoritário boliviano, como delegado de seu governo, abrindo os  rios brasileiros à navegação dos países  amigos da Bolívia, em detrimento do Brasil, incitando navios estrangeiros a violarem a soberania territorial brasileira.

     Funcionários brasileiros, como o Chanceler Olinto de Magalhães, posicionaram-se contra  as medidas bolivianas, argumentando que o  Brasil jamais permitiria que navios estrangeiros navegassem  pelas suas águas para Puerto Alonso.

     Os precedentes  relacionados à história acreana são recheados de perplexidades, com fatos ligados e entrelaçados como teias de aranhas.

     Enquanto os ânimos nortistas manifestavam-se  em pública e notória ebulição, eis que surge, no Cais de Belém, como num passe de mágica, sem ninguém esperar, uma canhoneira americana, denominada  “Wilmington”.  Até aí corre tudo com certa naturalidade de aparente visita turística.

     Em  Manaus, porém, transgredindo  normas, o comandante da canhoneira tomara a decisão de, sem autorização do governo brasileiro, partir do cais a noite, de maneira evasiva, com os faróis apagados e  dirigir-se ao rio Solimões, subindo  até  ao município amazonense de Tabatinga e, posteriormente, a Iquitos, no Perú.

     Ao retornar, o comandante da canhoneira teria sido alvo de severas críticas relativas à sua conduta, provocando  comícios públicos e condenação geral pelo atrevido procedimento.

     Encontrara-se em Belém, quando da chegada da belonave americana ao porto paraense, um “freelance”  espanhol,  interessado em produzir reportagens acerca da instalação da alfândega em Puerto Alonso. Trata-se de Dom Luiz Galvez Rodrigues de Aria.

    Nascido em Cádiz, Espanha, a 20 de fevereiro de 1859, filho do Almirante da Marinha Real, Fernando Luiz Galvez Concepcion de Aria e de Rosaura Rodrigues de Aria, de prendas domésticas, Dom Luiz Galvez, talvez seduzido pela imensidão da baía de Cádiz, vista do mirante de sua residência, cedo começara  a viajar pelo mundo.

     Aos vinte anos de idade  fazia o curso de Ciências Jurídicas e Sociais  e complementava os estudos  aprendendo conversação em inglês, francês e português, o que viria dominar com desenvoltura e imperceptível sotaque.  Passou a juventude boêmia, andando com os guitarristas pelas bodegas do Alcazar, uma mocidade de modo tradicional, entre vinhos, mulheres, feiras, danças flamengas, porém  sem descuidar-se dos estudos.

       Em 1889 estava servindo na diplomacia espanhola em Roma, seguindo daí, três anos depois, para Paris, a cidade Luz, que encontrara-se sacudida por atentados anarquistas.         Posteriormente fora designado para servir  em Buenos Aires,onde, em 1896, viria envolver-se em um assassinato, quando, por questão passional, fora  levado  a um duelo, ocasião em que tirara a vida do duelista adversário, que por sinal seria  irmão de sua namorada.

     Demitido do corpo diplomático espanhol, Dom  Luiz Galvez fora obrigado a abandonar a Argentina em quarenta e oito horas.  Em 1897 chegara a Belém, onde permanecera  até 1898.  A passagem de ano de 1898 para 1899 fora comemorada num vapor, em frente à cidade de Parintins, no Amazonas, depois de Dom Luiz Galvez  envolver-se em flagrante   com uma freira, numa  efetiva  copulação , quando viajava como  clandestino, em um barco fretado por religiosos, fazendo o mesmo trajeto Pará-Amazonas.  Escandalizados, os superiores  sacerdotais desembarcaram os dois em Santarém, de onde prosseguiriam  em outro vapor para Manaus.

     O retorno  de Dom Luiz Galvez a Belém prendia-se, em princípio, em obter uma entrevista substanciosa com Dom José Paravicini, que ainda encontrara-se na capital paraense  com destino ao Rio de Janeiro, sobre suas atividades em Puerto Alonso e a consequente instalação do posto alfandegário  para fiscalizar e cobrar tributos nos rios brasileiros.

     As repercussões da questão do Acre condimentadas com  a afronta  gerada pelo comandante da canhoneira americana, “Wilmington”, já constituíam ótimos ingredientes  para aguçar o espírito agitado  e de  controvérsias, bem ao agrado do aventureiro.

     Envolvido nos dois assuntos,  que por sinal  eram os que propalavam-se nos quatro cantos das duas capitais amazônicas, a vida de Dom Luiz Galvez era  bem ao seu gosto, de cabarés a refinados  salões, de humildes cafés a  requintados banquetes.

     Colhendo informações, umas aqui outras ali, o irrequieto  espanhol  vai exercendo sua atividade de “freelance”, sempre relacionando seus contatos  aos seus objetivos. Entre seus interlocutores, Dom Luiz Galvez cultivara maior aproximação a um patrício seu que prestava serviços  ao Consulado boliviano.  Trata-se de Guilherme Uhtholf, que exercera a função de Comandante-Geral da fronteira em Puerto Alonso, e acompanhante do Ministro  Paravicini.

     Dom Luiz Galvez, além de atuar como “ freelance” para jornais paraenses também  logrou  espaço  para prestar  assessoria no Consulado da Bolivia, graças ao seu preparo intelectual  e a irmandade do idioma. Dada a intimidade dos dois espanhóis, Dom Galvez ficou sabendo que o Ministro José Paravicini estaria tratando, secretamente, de celebrar um acordo com os Estados Unidos, tendo encarregado a Guilherme Uhtholf de estabelecer as bases e apresentá-las ao cônsul americano. Tal documento deveria seguir para Washington  pela canhoneira “Wilmington”, ancorada  no porto de Belém, de regresso de sua clandestina e acintosa  viagem  por águas brasileiras até a fronteira com o Perú, sem permissão do governo brasileiro.

     Em Manaus haviam-se  iniciado as manifestações de rua, levadas a efeito por estudantes e populares, refletindo um sentimento  generalizado de defesa do patrimônio ameaçado por bolivianos intrusos ,usurpadores, considerados nocivos  e perigosos para a integridade nacional.

     O governo do Amazonas  fez chegar às mãos do Presidente Campos Sales uma longa exposição dos fatos que se passavam no Acre, assim como as visíveis consequências da perda da região para a Bolívia. No citado documento enviado ao Presidente da República, o governo amazonense insinuara  a possibilidade  de eclodir, a qualquer instante, um movimento armado.

     O Presidente Campos Sales não tomou a mínima providência, muito menos  deu conhecimento  a seu “staf” do conteúdo do documento.    

     Já introduzido no mundo social e jornalístico de Belém, inclusive participando da assessoria do consulado boliviano, Dom Luiz Galvez    interessara-se em obter acesso ao teor  do plano, cujas bases consistiriam em que  os Estados Unidos auxiliariam a Bolívia  para conservar sua soberania ao longo dos rios Purus, Acre e Iaco,   mediante concessões aduaneiras e territoriais, com o agravante  do fiel compromisso americano em fornecer  amparo financeiro e pesado armamento como precaução, à vista eclodir uma guerra entre Brasil e  Bolívia.

     Na qualidade de detentor de fluente conhecimento da língua inglesa, Dom  Luiz Galvez  oferecera-se  para preparar a devida versão  do aludido documento para o inglês,  no que foi aceito.

Durante o transcurso da versão o espanhol percebeu  que estava diante de um assunto  que contrariava bastante os interesses brasileiros. Denunciar aos quatro cantos  um trágico plano, digno de uma condenação pública é, de certa forma compreensível . Entretanto ,  assumir atitudes ao ponto de trair seus atuais patrões, detentores de seus próprios princípios, inclusive  a fraternidade da língua e postar-se, não só na defesa de uma pátria que acabara de conhecer, mas  promover e comandar a expulsão  dos invasores,  é um procedimento de difícil   compreensão. Pois ocorrera desta forma: Dom Luiz Galvez exonerara-se da  assessoria ao consulado  da Bolívia e regressara a Manaus, onde publicara reportagens sobre  a ocupação intempestiva dos bolivianos, enquanto era revisto e estudado, para uma perfeita  interpretação o texto do Tratado de Ayacucho. Adicionara às denúncias,  o caso da canhoneira americana e, sobretudo, o plano da intervenção diplomática e armada americana ao longo dos rios acreanos, em favor da Bolívia.

     A  fronteira não estava ainda determinada e somente em 1895 os governos do Brasil e da Bolivia deram início à negociação  neste sentido. Há quase trinta anos os brasileiros ocupavam, de maneira efetiva, os rios Purus, Alto Acre e Iaco. Fundado nesta ocupação, possuía o Brasil, independente de qualquer outro título, o ‘UTI POSSIDETIS’, um princípio do Direito Internacional.

     Seria esse princípio jurídico internacional o argumento  a justificar o posicionamento  de um espanhol, residente há apenas dois anos, de  defender a soberania  de um país totalmente estranho, no que concerne  às estações climáticas, aos costumes , à língua e gírias diversificadas, a tudo afinal?    Quando da apressada fuga de Buenos Aires, o espanhol  pensara  em seguir para a India, estabelecer-se em Macau ou viver na Indonésia. No Rio de Janeiro, porém , um  compatriota seu, de Bilbao, convencera  Dom Luiz Galvez a vir para a Amazônia, pois houvera ficado milionário no Amazonas.

          

                                         

    

    











BRASILEIRO POR OPÇÃO-XII

                                  José Augusto de Castro e Costa



  Dom Luiz Galvez Rodrigues de Aria não gostava de americanos e possuía um sentimento de que este povo , em nome da humanidade aproveitar-se-ia do desespero de qualquer outro,  como guardara ele em seu íntimo, flagrantes da guerra  espanhola-cubana, quando os Estados Unidos, interessados no açúcar cubano trucidaram os soldados espanhóis  em retirada pela costa de San Tiago de Cuba.

Para Don Luiz Galvez, os americanos  se consideravam os novos cavaleiros andantes e, acima de tudo, tinham muito dinheiro, o que motivava  um espanhol aventureiro  a enfrentá-los  em quaisquer  circunstâncias.

Os brasileiros mais chegados  ao seu circulo de amizade apoiavam o Acre como uma causa brasileira, diferentemente do Governo Federal, que considerava a região acreana como território das Bolívia.

Em Belém, seus amigos queriam que Don Galvez subtraísse do Consulado boliviano o documento relativo ao contrato com os americanos, o qual, depois de muita relutância, colocando a amizade acima de qualquer veleidade política, resolveu aceitar  o serviço, desobrigando-se de envolver-se em outros assuntos pertinentes. Até porque, tratando-se de um roubo efetuado por um estrangeiro, estaria ele sujeito às leis de extradição.

Entre os amigos, porém,  encontrava-se um filha de Eva, de  relacionamento íntimo, por quem  Dom Luiz Galvez  nutria  determinado fascínio que comumente  o levava à concórdia,  sentimento que, invariavelmente,  o  colocava em algum envolvimento.

Suas amizades em Belém, não só  o influenciaram  a tomar posse do secreto  dossiê, o que ocorrera  na calada de uma noite em simulado assalto ao Consulado boliviano, como, mais tarde,  o  estimulariam a assumir  a  coordenação  providencial  de  algum movimento  concernente  à questão do Acre.

Os termos do aludido documento eram, textualmente, os seguintes:

“ State Department, Foreign Office

Os Estados Unidos da América, por via diplomática, da República do Brasil, gestionarão o reconhecimento dos direitos da República da Bolívia nos territórios do Acre, Purus e Iaco, hoje ocupados de acordo com os direitos estabelecidos pelo Tratado de 1867.

Os Estados Unidos da América se comprometem a facilitar à República da Bolívia o numerário bélico de que esta necessitar em caso de guerra com o Brasil.

Os Estados Unidos da América exigirão que o Brasil nomeie dentro do corrente ano uma comissão que, de acordo com a Bolívia, deslinde as fronteiras definitivas entre o Purus e o Javari.

O Brasil deverá ceder a livre navegação dos afluentes do rio Amazonas aos barcos de propriedade boliviana, assim como o livre trânsito pelas alfândegas do Pará e Manaus às mercadorias destinadas aos portos bolivianos.

Em recompensa aos seus bons ofícios a Bolívia concederá aos Estados Unidos da América o abatimento de 50% dos direitos da borracha que saia com destino para qualquer parte da dita nação e este abatimento durará pelo prazo de 10 anos.

No caso de ter que apelar pela guerra, a Bolívia denunciará o tratado de 1867, sendo então a linha limítrofe, da Bolívia a Boca do Acre, e entregará o território restante, isto é, a zona compreendida entre a Boca do Acre e a atual ocupação, aos Estados Unidos da América em livre posse.

Washington, 9 de maio de 1898.  (   SOUZA Márcio . GALVEZ  Imperador do Acre. 17ª  Edição. Pg.54) .

Foi, então em Manaus, que  levado pela ex-freira denominada Joana,  de quem  fora cúmplice partícipe de uma trama , compareceu a  uma reunião, na qual conhecera  o Governador do Amazonas, Coronel  Ramalho Júnior, e o ouvira apoiar e oferecer cinquenta mil libras esterlinas a quem se dispusesse  a conquistar o Acre do intruso domínio boliviano, declarar o  território independente, formar um governo  e tentar o reconhecimento internacional.

A nacionalidade espanhola de Dom Galvez, certamente,  afastaria  qualquer suspeita  de participação brasileira na aludida intervenção, podendo  assim, após a efetivação da conquista, solicitar-se a anexação do Acre ao Brasil.   A concordância foi de uma unanimidade  solenemente sonora, com entusiasmado brinde erguido pelo Governador  Ramalho Junior.

Dom Luiz Galvez tinha ciência, evidentemente,  até  por possuir elevado conhecimento  geral,  das etapas para a  formação estrutural de um movimento revolucionário, de sua organização e método. Mas para ele, tudo  parecia fadado a ocorrer com rapidez meteórica, a exemplo de seus relacionamentos, de suas atitudes, de suas opções. Para levar a efeito  a revolução a seu encargo, ele teria apenas trinta dias.

É verdade que, para  um movimento revolucionário, não é levado em  conta o tempo para sua preparação.  Contudo,  é injustificável  o menosprezo,   a negligência  e, sobretudo,  o desprovimento  do mínimo de estratégia  para o devido enfrentamento.

Dom Luiz Galvez tinha conhecimento de que, em Puerto Alonso, iria enfrentar cerca de trinta bolivianos, portadores de armamento  de calibre desprezível.  Imaginou  não  haver grandes dificuldades em enfrentar tão reduzido e desarmado contingente. Em assim sendo, recomendou ao seu mais aproximado amigo, o poeta e jornalista  TH  VAZ, pseudônimo de Thaumaturgo Vaez,  a proceder ao recrutamento  de voluntários, o que justifica da denominação de “Revolução dos Poetas”.

Sem fazer-se de rogado e sempre pronto  para atender ao amigo, Th Vaz arregimentou  uma ardorosa tropa, composta de estudantes de infinitas repetências,  poetas inéditos, advogados  trapaceiros,  ociosos, todos irmanados pela  incurável  insônia dos boêmios.

Contando com o recrutamento de  voluntários,  ainda que classificados ironicamente  pela inaptidão  bélica, Dom Luiz Galvez  parte para  o Acre    acrescentando  à sua tropa revolucionária,  grande parte de artistas de uma companhia lírica de Ópera, que encontrava-se  em demorada apresentação no Teatro Amazonas. A função das artistas estivera concentrada no serviço de informações.  Fazia parte do abastecimento da tropa, evidentemente,  inúmeras caixas de cerveja  das marcas São Gonçalo, Munich e Pérola, várias caixas de champanhe, uísque e, para uso exclusive do Comandante-em- Chefe, Dom Luiz Galvez, uma caixa de xerez.

O governo amazonense houvera fretado o gaiola “Esperança” para o transporte da tropa  mas, também, o colocara à disposição de uma comitiva boliviana vinda de Belém, que conhecia bem Dom Galvez, e ainda o procuravam para acerto de contas quanto à publicação do contrato com os americanos, achando-se entre eles  os Cônsules da Bolívia e dos Estados Unidos.  Por esta razão, a fim de não ser descoberto, o aventureiro espanhol  embarcou dentro de um caixão de defunto, destinado  ao seringal Versalhes, propriedade  do Coronel Pedro Paixão,  localizado  a duas horas de Puerto Alonso.  No gaiola o caixão ficara acomodado  num camarote  reservado pela viúva, que não era outra senão a ex-freira Joana.  A viagem  transcorreu sem que a comitiva boliviana descobrisse a identidade do viajante falecido, não obstante fugaz intriga quanto a grande movimentação  ao camarote da viúva, onde fora posteriormente contabilizado a ingestão de oito caixas de uísque. O  proprietário do seringal Versalhes, grande amigo do poeta Th Vaz demonstrou imensa satisfação em revê-lo  e em receber as visitas naquele lugar isolado, onde exercia uma liderança natural e, certamente, viria  aderir ao plano revolucionário, colocando às ordens de Dom Galvez, seus empregados na categoria de praças.

Como considerava ridícula a  milícia  boliviana, Dom Galvez debatera o plano de iminente  ataque para ser efetivado ao amanhecer do dia, cercando a Delegacia, onde prenderiam os milicianos, dominariam os pontos-chaves e imediatamente fariam o comício na praça.

Após a prisão de todos os bolivianos e seus superiores, inclusive os dois diplomatas, Dom Luiz Galvez apossou-se de Puerto Alonso e ordenou que o seu Batalhão dos Inconfidentes procedesse à guarda dos prisioneiros.

Com a população do lugarejo totalmente nas ruas, foram procedidos o devido arriamento da bandeira boliviana e imediatamente hasteada a bandeira acreana, confeccionada pela ex-freira e uma cantora lírica francesa, cujo desenho apresentava dois  retângulos, um azul e outro branco, no qual  fulgurava ao meio uma estrela, representando a esperança dos revolucionários acreanos.

A partir da sensível movimentação de moradores e revolucionários, ostensivamente, ladeado pelo poeta Th Vaz e o seringalista Pedro Paixão, doravante nomeados generais, montados em burricos, Dom Luiz Galvez avançou para o meio da praça, ergueu uma espada que lhe fora colocada em sua mão e, com golpes no ar, como um Imperador, pontuou as palavras de conquista:

-“Pátria e Liberdade! Viva o Acre Livre! Viva a Revolução”!

A seguir foram tomadas as providências para a organização administrativa da nova soberania, através da elaboração de atos oficiais, iniciando pela expedição de decretos de nomeação de funcionários para o exercício de cargos superiores, decretos criando um Orçamento Nacional, ato oficial criando um Comitê de Salvação Nacional, etc.

Estava criado o Estado Independente do Acre.










segunda-feira, 6 de agosto de 2012


Este Blog

Link daqui

LEITURA RECOMENDÁVEL

A web
Este Blog
Link daqui
LEITURA RECOMENDÁVEL
A web

sábado, 4 de agosto de 2012


BRASILEIRO POR OPÇÃO - XI

Este Blog
Link daqui
LEITURA RECOMENDÁVEL
A web
Este Blog
 
 
 
 
Link daqui
 
 
 
LEITURA RECOMENDÁVEL
 
 
 
A web
 
 
 

sábado, 4 de agosto de 2012

BRASILEIRO POR OPÇÃO - XI

José Augusto de Castro e Costa



As denúncias propagadas em folhetos, por José Carvalho e periódicos amazonenses, atreladas à prepotência, autoritarismo e desrespeito procedidos pelo Ministro José Paravicini no rio Acre, teria repercussão desastrosa para a Bolívia, em Manaus, Belém e no Rio de Janeiro – Distrito Federal.

A propagação referia-se ao decreto expedido pelo autoridário boliviano, como delegado de seu governo, abrindo os rios brasileiros à navegação dos países amigos da Bolívia, em detrimento do Brasil, incitando navios estrangeiros a violarem a soberania territorial brasileira.

Funcionários brasileiros, como o Chanceler Olinto de Magalhães, posicionaram-se contra as medidas bolivianas, argumentando que o Brasil jamais permitiria que navios estrangeiros navegassem pelas suas águas para Puerto Alonso.

Os precedentes relacionados à história acreana são recheados de perplexidades, com fatos ligados e entrelaçados como teias de aranhas.

Enquanto os ânimos nortistas manifestavam-se em pública e notória ebulição, eis que surge, no Cais de Belém, como num passe de mágica, sem ninguém esperar, uma canhoneira americana, denominada “Wilmington”.  Até aí corre tudo com certa naturalidade de aparente visita turística.

Em Manaus, porém, transgredindo normas, o comandante da canhoneira tomara a decisão de, sem autorização do governo brasileiro, partir do cais a noite, de maneira evasiva, com os faróis apagados e dirigir-se ao rio Solimões, subindo até ao município amazonense de Tabatinga e, posteriormente, a Iquitos, no Perú.

Ao retornar, o comandante da canhoneira teria sido alvo de severas críticas relativas à sua conduta, provocando comícios públicos e condenação geral pelo atrevido procedimento.

Única fotografia conservada de
Luis Galvez antes de 1900.
Encontrara-se em Belém, quando da chegada da belonave americana ao porto paraense, um “freelance” espanhol, interessado em produzir reportagens acerca da instalação da alfândega em Puerto Alonso. Trata-se de Dom Luiz Galvez Rodrigues de Aria.

Nascido em Cádiz, Espanha, a 20 de fevereiro de 1859, filho do Almirante da Marinha Real, Fernando Luiz Galvez Concepcion de Aria e de Rosaura Rodrigues de Aria, de prendas domésticas, Dom Luiz Galvez, talvez seduzido pela imensidão da baía de Cádiz, vista do mirante de sua residência, cedo começara a viajar pelo mundo.

Aos vinte anos de idade fazia o curso de Ciências Jurídicas e Sociais  e complementava os estudos  aprendendo conversação em inglês, francês e português, o que viria dominar com desenvoltura e imperceptível sotaque.  Passou a juventude boêmia, andando com os guitarristas pelas bodegas do Alcazar, uma mocidade de modo tradicional, entre vinhos, mulheres, feiras, danças flamengas, porém  sem descuidar-se dos estudos.

Em 1889 estava servindo na diplomacia espanhola em Roma, seguindo daí, três anos depois, para Paris, a cidade Luz, que encontrara-se sacudida por atentados anarquistas. Posteriormente fora designado para servir em Buenos Aires, onde, em 1896, viria envolver-se em um assassinato, quando, por questão passional, fora  levado  a um duelo, ocasião em que tirara a vida do duelista adversário, que por sinal seria  irmão de sua namorada.

Demitido do corpo diplomático espanhol, Dom Luiz Galvez fora obrigado a abandonar a Argentina em quarenta e oito horas.  Em 1897 chegara a Belém, onde permanecera até 1898.  A passagem de ano de 1898 para 1899 fora comemorada num vapor, em frente à cidade de Parintins, no Amazonas, depois de Dom Luiz Galvez envolver-se em flagrante   com uma freira, numa  efetiva  copulação, quando viajava como  clandestino, em um barco fretado por religiosos, fazendo o mesmo trajeto Pará-Amazonas.  Escandalizados, os superiores sacerdotais desembarcaram os dois em Santarém, de onde prosseguiriam em outro vapor para Manaus.

O retorno de Dom Luiz Galvez a Belém prendia-se, em princípio, em obter uma entrevista substanciosa com Dom José Paravicini, que ainda encontrara-se na capital paraense com destino ao Rio de Janeiro, sobre suas atividades em Puerto Alonso e a consequente instalação do posto alfandegário para fiscalizar e cobrar tributos nos rios brasileiros.

As repercussões da questão do Acre condimentadas com a afronta  gerada pelo comandante da canhoneira americana, “Wilmington”, já constituíam ótimos ingredientes para aguçar o espírito agitado  e de  controvérsias, bem ao agrado do aventureiro.

Envolvido nos dois assuntos, que por sinal eram os que propalavam-se nos quatro cantos das duas capitais amazônicas, a vida de Dom Luiz Galvez era  bem ao seu gosto, de cabarés a refinados  salões, de humildes cafés a  requintados banquetes.

Colhendo informações, umas aqui outras ali, o irrequieto espanhol vai exercendo sua atividade de “freelance”, sempre relacionando seus contatos aos seus objetivos. Entre seus interlocutores, Dom Luiz Galvez cultivara maior aproximação a um patrício seu que prestava serviços ao Consulado boliviano.  Trata-se de Guilherme Uhtholf, que exercera a função de Comandante-Geral da fronteira em Puerto Alonso, e acompanhante do Ministro Paravicini.

Dom Luiz Galvez, além de atuar como “freelance” para jornais paraenses também logrou espaço para prestar assessoria no Consulado da Bolivia, graças ao seu preparo intelectual e a irmandade do idioma. Dada a intimidade dos dois espanhóis, Dom Galvez ficou sabendo que o Ministro José Paravicini estaria tratando, secretamente, de celebrar um acordo com os Estados Unidos, tendo encarregado a Guilherme Uhthoff de estabelecer as bases e apresentá-las ao cônsul americano. Tal documento deveria seguir para Washington pela canhoneira “Wilmington”, ancorada no porto de Belém, de regresso de sua clandestina e acintosa viagem por águas brasileiras até a fronteira com o Perú, sem permissão do governo brasileiro.

Em Manaus haviam-se iniciado as manifestações de rua, levadas a efeito por estudantes e populares, refletindo um sentimento generalizado de defesa do patrimônio ameaçado por bolivianos intrusos, usurpadores, considerados nocivos e perigosos para a integridade nacional.

O governo do Amazonas fez chegar às mãos do Presidente Campos Sales uma longa exposição dos fatos que se passavam no Acre, assim como as visíveis consequências da perda da região para a Bolívia. No citado documento enviado ao Presidente da República, o governo amazonense insinuara a possibilidade de eclodir, a qualquer instante, um movimento armado.

O Presidente Campos Sales não tomou a mínima providência, muito menos deu conhecimento a seu “staf” do conteúdo do documento.

Já introduzido no mundo social e jornalístico de Belém, inclusive participando da assessoria do consulado boliviano, Dom Luiz Galvez interessara-se em obter acesso ao teor do plano, cujas bases consistiriam em que os Estados Unidos auxiliariam a Bolívia para conservar sua soberania ao longo dos rios Purus, Acre e Iaco, mediante concessões aduaneiras e territoriais, com o agravante do fiel compromisso americano em fornecer  amparo financeiro e pesado armamento como precaução, à vista eclodir uma guerra entre Brasil e  Bolívia.

Na qualidade de detentor de fluente conhecimento da língua inglesa, Dom Luiz Galvez oferecera-se para preparar a devida versão do aludido documento para o inglês, no que foi aceito.

Durante o transcurso da versão o espanhol percebeu que estava diante de um assunto que contrariava bastante os interesses brasileiros. Denunciar aos quatro cantos um trágico plano, digno de uma condenação pública é, de certa forma compreensível. Entretanto, assumir atitudes ao ponto de trair seus atuais patrões, detentores de seus próprios princípios, inclusive a fraternidade da língua e postar-se, não só na defesa de uma pátria que acabara de conhecer, mas promover e comandar a expulsão dos invasores, é um procedimento de difícil compreensão. Pois ocorrera desta forma: Dom Luiz Galvez exonerara-se da assessoria ao consulado da Bolívia e regressara a Manaus, onde publicara reportagens sobre a ocupação intempestiva dos bolivianos, enquanto era revisto e estudado, para uma perfeita interpretação o texto do Tratado de Ayacucho. Adicionara às denúncias, o caso da canhoneira americana e, sobretudo, o plano da intervenção diplomática e armada americana ao longo dos rios acreanos, em favor da Bolívia.

A fronteira não estava ainda determinada e somente em 1895 os governos do Brasil e da Bolivia deram início à negociação neste sentido. Há quase trinta anos os brasileiros ocupavam, de maneira efetiva, os rios Purus, Alto Acre e Iaco. Fundado nesta ocupação, possuía o Brasil, independente de qualquer outro título, o ‘UTI POSSIDETIS’, um princípio do Direito Internacional.

Seria esse princípio jurídico internacional o argumento a justificar o posicionamento de um espanhol, residente há apenas dois anos, de  defender a soberania  de um país totalmente estranho, no que concerne  às estações climáticas, aos costumes, à língua e gírias diversificadas, a tudo afinal?    Quando da apressada fuga de Buenos Aires, o espanhol pensara em seguir para a India, estabelecer-se em Macau ou viver na Indonésia. No Rio de Janeiro, porém, um compatriota seu, de Bilbao, convencera Dom Luiz Galvez a vir para a Amazônia, pois houvera ficado milionário no Amazonas.


Leia aqui a série


* José Augusto de Castro e Costa é cronista e poeta acreano. Mora em Brasília e escreve o Blog FELICIDACRE.